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O Livre-Arbítrio como Guia da Vida

Por: Nubia Miller

1. Conceito de livre-arbítrio:

Livre-arbítrio do Dicionário Michaelis é a faculdade que o homem tem de escolher ou decidir conforme sua própria vontade, sem que haja condicionamento ou qualquer interferência nessa escolha (LIVRE-ARBÍTRIO, 2015). A liberdade de agir está diretamente ligada à vontade de escolher. O significado mais acertado de livre arbítrio tem sentidos vários, como religiosos, psicológicos, morais e científicos, estando associado a várias religiões, dentre elas o Cristianismo, o Budismo, o Espiritismo, entre outras.

Acredita-se que Santo Agostinho (354-430) utilizou pela primeira vez a expressão livre-arbítrio, em sua obra Livre-Arbítrio (De Libero Arbitrio), publicado no ano de 395. Era um diálogo do autor com seu amigo Evódio, em que Santo Agostinho formulou algumas teses a respeito da liberdade humana, além de abordar a origem do mal moral (Livre-arbítrio, 2024).

Para muitas pessoas, o livre-arbítrio significa apenas ter a liberdade de escolher, porém, o conceito ganha mais reflexão, quando consideramos a possibilidade de escolher entre o bem e o mal. Na questão 121 de O Livro dos Espíritos, Kardec pergunta o porquê de alguns Espíritos seguirem o caminho do bem e outro o do mal e, a ele é respondido que: “Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanta para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade própria” (Kardec, 2022, p.78). Logo, o homem pode realizar escolhas, conforme age com a razão, tomando decisões, longe de serem instintivas.

 

2. Livre-arbítrio, Ética e Moral:

As relações pessoais, que conduzem a convivência harmônica e solidária entre os seres humanos, fundamentam-se em princípios universalmente aceitos, explicitados pela ética e pela moral. A ética é a parte da Filosofia que estuda os princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, tratando da conduta humana em geral (da vida em sociedade) como conduta específica de cada um (EADE, 2013).

“A moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Fundamenta-se na observância da Lei de Deus” (Kardec, 2022, p.243). Está associada aos bons costumes e princípios. A perfeição moral é o que se deseja como exemplo na Terra, e Jesus constitui essa perfeição moral (Kardec, 2022, p.236).

Os termos ética e moral estão relacionados e são interdependentes entre si, uma vez que não se pode ter uma conduta ética sem uma boa base moral que a sustente. Para vivermos de forma harmônica em sociedade, é preciso regras cotidianas ao exercício da liberdade individual. Essa liberdade deve nos remeter a agir no bem, como anunciado por Jesus: “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas” (BIBLIA SAGRADA, 2014, p. 234). O homem encontra nesta frase o princípio universal de boa conduta moral, sendo conquistada passo a passo no progresso da Humanidade, na escala evolutiva, ao longo das encarnações.

 

3. Livre-arbítrio e Determinismo:

O livre-arbítrio e o determinismo estarão sempre presentes na vida do Espírito. A liberdade está presente no momento de decidir e agir, antes da ação ser executada. “Dado ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa a inteira responsabilidade de seus atos e das consequências que estes tiverem (Kardec, 2022, p.133). Desencadeada a ação, estará diante do determinismo da colheita obrigatória, ou seja, da Lei de Causa e Efeito.

O determinismo está mais vinculado ao plano físico das provas. A partir do momento em que somos criados simples e ignorantes, há um Determinismo Divino incontestável de que somos criados para sermos felizes. Porém, o tempo que levaremos para alcançarmos essa felicidade, dependerá dos caminhos a serem escolhidos por nós, ao passo que temos o livre-arbítrio. “Nada lhe estorva o futuro; abertos se lhe acham, assim, o caminho do bem, como o do mal” (Kardec, 2022, p.133), para ceder ou resistir às influências das nossas fraquezas e imperfeições.

O projeto reencarnatório exige certo determinismo, em função de haver toda uma programação prévia de provas e expiações, as quais o Espírito passará ao renascer no mundo material. Mas, esse determinismo se limita apenas ao planejamento, pois é o indivíduo encarnado quem decidirá se aproveitará as provas para o seu aprendizado ou se as desperdiçará, padecendo no ócio ou, ainda, contribuindo para o mal. Deus nos concede o livre-arbítrio, “para que chegássemos, por experiência própria, a distinguir o bem do mal e que a prática do primeiro resultasse de seus esforços e da sua vontade” (Kardec, 2023, p.200).

Ante as provas e desafios que, por nossas vontades, estarão presentes na vida, sempre contaremos com as boas oportunidades de fazermos novas escolhas, que poderão suavizar o determinismo da Justiça Divina, pois todas as boas ações que tivermos a iniciativa de praticar estarão abrandando a nossa caminhada. “Todos estão submetidos à Lei do Progresso e podem todos chegar à perfeição, mas, como têm livre-arbítrio, lá chegam em tempo mais ou menos longo, conforme seus esforços e vontade. (Kardec, 2023-b)

 

4. Livre-arbítrio e Espiritismo:

De acordo com a Doutrina Espírita, o livre-arbítrio é uma das propriedades fundamentais inerentes ao Espírito e, consiste em se “ter a liberdade de pensar, e também a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina” (Kardec, 2022, p.296). Livre-arbítrio é a capacidade de escolher, em meio a várias alternativas, aquela que julgamos ser a melhor e mais aceitável, permitindo-nos, determinar o que queremos de melhor para nós mesmos.

O livre-arbítrio existe para exercitarmos nossa liberdade de agir, diante das provas da vida. “O dever íntimo do homem fica entregue ao seu livre-arbítrio” (Kardec, 2023, p.198), e inserido na faculdade de ceder ou resistir aos arrastamentos a que todos podemos estar voluntariamente submetidos. “Sendo o homem o depositário, o administrador dos bens que Deus lhe pôs nas mãos, contas severas lhe serão pedidas do emprego que lhes haja Ele dado, em virtude do seu livre-arbítrio. O mau uso consiste em aplicá-los exclusivamente na sua satisfação pessoal; bom é o uso, ao contrário, todas as vezes que deles resulta um bem qualquer para outrem. Cabe à educação combater as más tendências” (Kardec, 2023, p.205).  Assim, das atitudes de cada um, caberá escolher entre fazer o bem ou o mal.

Desta forma, “o livre-arbítrio é desenvolvido juntamente com o desenvolvimento da inteligência e implica um aumento pela responsabilização dos atos praticados” (Kardec, 2022, p.304), que se desenvolve com o progresso do Espírito. Portanto, o livre-arbítrio é uma potencialidade do Espírito, que desenvolve progressivamente junto com a sua inteligência, na medida em que adquire conhecimentos.

O livre-arbítrio está, necessariamente, relacionado à questão da evolução e da responsabilidade individuais. Todavia, acrescentam os Espíritos Orientadores, para que as ações humanas sejam consideradas benéficas, não basta o desenvolvimento da inteligência, é necessário que esta seja acompanhada do progresso moral: “O livre-arbítrio se desenvolve a medida que o espírito adquire a consciência de si mesmo” (Kardec, 2022, p.78), sendo alcançado em maior proporção quando há inteligência e moralidade do individuo.

O progresso completo constitui o objetivo da reencarnação, mas os indivíduos, quantos os povos, só o atingem gradualmente, ao longo das vivências. Enquanto o senso moral não se houver desenvolvido completamente, pode ser que a inteligência, ainda rudimentar, seja utilizada para a prática do mal. Na questão 127 de O Livro dos Espíritos, Kardec pergunta se os Espíritos são criados iguais quanto às faculdades intelectuais e, a ele é respondido que: “São criados iguais, porém, não sabendo donde vêm, preciso é que o livre-arbítrio siga seu curso. Eles progridem mais ou menos rapidamente em inteligência como em moralidade” (Kardec, 2022, p.79). A moral e a inteligência são duas forças inerentes ao Espírito e, que só se equilibram com o passar do tempo ao longo das reencarnações.

 

5. Livre-arbítrio como guia da vida:

Todos os dias podemos construir nosso futuro, não há destino, não há predestinação, nem mesmo sorte ou azar. O Espírito, por sua natureza, mediante pensamentos e ações, tem o direito de fazer tudo o quanto achar conveniente ou indispensável à conservação e o desenvolvimento de sua vida.

O livre-arbítrio é ainda pequeno quando somos criados - simples e ignorantes e, à medida que adquirimos conhecimento, vamos evoluindo, e ele vai aumentando. A evolução é o fundamento da vida e está atrelada ao conhecimento em todos os sentidos possíveis, seja ele técnico, afetivo, emocional, moral, filosófico, científico ou religioso. O Espírito adquire conhecimentos novos através das experiências, das vivências e convivências acumuladas ao longo de sucessivas reencarnações.

Ao adquirirmos novos conhecimentos, através das experiências reencarnatórias, modificamos a visão que temos de nós mesmo, dos outros, do mundo e de Deus, ampliando a consciência, e assim, evoluímos, podendo utilizar de forma edificante o livre-arbítrio como guia de vida. De acordo com as escolhas, vivenciamos experiências diferentes e, em consequência, conhecimentos novos, se desenham ao longo da evolução. Entretanto, como as experiências vividas são limitadas, o que o Espírito sabe também é limitado. Todavia, tanto o conhecimento como o comportamento resultam das situações enfrentadas e delimitam o guia da vida.

A liberdade de escolha determina quais segmentos de conhecimento, tanto em qualidade como em quantidade, serão assimilados e como serão acomodados e equilibrados em relação aos conhecimentos que já constituem o ser, de forma coerente, para sustentar comportamentos. Haverá escolhas mais ou menos adequadas para um Espírito em um dado momento, ao passo que para outro, talvez não seja o mais adequado. Como os caminhos são múltiplos e as situações enfrentadas são diferentes, as respostas deverão ser diversas. O critério para se encontrar a resposta mais adequada será sempre individual. A coerência entre a verdade alcançada e a sua prática deverá nortear a escolha consciente.  Escolhas que afastem o ser inteligente da coerência com sua história propiciam desdobramentos com menor qualidade ou quantidade de experiências e, consequentemente, reduzem o aproveitamento das experiências.

As experiências e as decisões passam a ser diferentes para cada um, mas igualmente significativas para a evolução do espírito em sua individualidade. Sabe-se que Deus criou a todos para sermos felizes, e essa felicidade depende de nossas escolhas, ou seja, do nosso livre-arbítrio e, assim poderemos ser felizes ou infelizes, de acordo com o bem ou o mal que praticaram durante a vida e com o grau de adiantamento que alcançaram. A felicidade perfeita e sem mescla é partilha unicamente dos Espíritos que atingiram o grau supremo da perfeição (Kardec, 2023-b) e a única certeza da vida é que fomos criados para sermos felizes.

 

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Referências:

1- BÍBLIA SAGRADA, Versão Revista e Corrigida na grafi a simplifi cada, da tradução de João  Ferreira  de  Almeida. King’s  Cross  Publicações.  8° edição,  2014.  Impresso  no  Brasil.

22- EADE, Estudo Aprofundado da Doutrina Espírita: Ensinos e Parábolas de Jesus Tomo II. Brasília, DF: Editora FEB, 2013.

3- LIVRE-ARBÍTRIO. In: Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Editora Melhoramentos. 2015. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/. Acesso em: 22/08/2024.

4- Livre-arbítrio. Enciclopedia Significados, 2011-2024. Disponível em: https://www.significados.com.br/autor/equipe-do-significados/. Acesso em: 22/08/2024.

5- KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, tradução de Guillon Ribeiro-1ª edição.  Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita, 2022.

6- KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, tradução de Guillon Ribeiro. 1ª edição. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita, 2023.

7- KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, tradução de Guillon Ribeiro. 1ª edição. Campos dos Goytacazes/RJ: Editora Letra Espírita, 2023-b.

 

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